Tudo o que me vem à memoria julgo que realmente existiu.
Se das esculturas de Rui Matos fluíssem murmúrios no campo de eco possível na matéria, ouviríamos certamente o chamamento dos seus nomes a sussurrarem poemas de solidão e dúvida:
As figuras dos sonhos estão mais perto de mim.
Oiço cair o tempo —
pesados silêncios
(nas) sombras brancas. (1)
É por consequência desta qualidade indetetável — invisível — que a obra do artista nos acontece de surpresa. A antítese do seu sussurro revela-se no vislumbre do enigma escultórico, encontra-nos ao dobrar a esquina de cada escultura — fabulando os mitos que as antecedem e erguendo arquiteturas utópicas entre o corpo e o vazio. Se por um lado as suas características formais nos proferem demandas de escala e peso, simultaneamente nos pregam rasteiras de pormenor e leveza, protegendo os momentos de tensão indómitos à sua natureza — como num fulgurante golpe de ilusionismo onde tentamos encontrar o segredo evidente para o equilíbrio e luz. Porém, como à imagem de todos os jogos que se aprendem em criança, também este possui um truque dissimulado de magia que nos conduz ao seu entender estético — nesta exposição, o seu próprio desenho no espaço. Poderemos intuir que nele existe um mapa, uma sinuosa rede de caminhos que nos guia a um conjunto de cápsulas espaciais (e, por vezes, temporais) que delimitam as diferentes arenas de observação. Entramos, assim, em pequenos microcosmos que acolhem estes seres e cidades invisíveis em ambientes íntimos — ora na penumbra, ora sob a incidência lumínica — embalando-nos por entre sequências narrativas de desenhos tridimensionais, danças geométricas de elementos aparentemente imóveis que se dirigem ao espetador apesar da sua mudez. Do ferro à ferrugem, da pedra à cal e à cor — a sequência dos dias reúne, nas palavras do curador, um total acidental de «34 esculturas realizadas ao longo dos últimos 34 anos». A exposição, não se tratando de uma antologia, é, contudo, um encontro de trabalhos que refletem a qualidade multifacetada da obra do artista. Por ela é possível atravessar as diferentes formas do tempo de Rui Matos — das plácidas esculturas em pedra aos arabescos férreos espaciais — pelo caminho encontrando escadas e túneis, palcos de pequenos teatros e piscinas flutuantes, estranhos lagos e palácios desertos — de ferro, e cor e ar. Partilham generosamente o seu corpo com o nosso e apenas em dias de vento, por entre as «sombras brancas» que não vemos, murmuram entre si o peso da matéria.
Eva Mendes
(1) Cada verso corresponde ao título de uma obra do artista.
Esta exposição de Rui Matos inclui 34 esculturas realizadas ao longo dos últimos 34 anos. Não se tratando de uma retrospetiva conta, porém com algumas esculturas do seu percurso inicial, a par de uma forte incidência na apresentação de trabalho recente focado no desenho tridimensional, na sequência de leitura e mais recentemente na transformação pela cor.
Nasceu em Lisboa em 1959. Vive e trabalha em Portugal, perto de Sintra. Nos anos 80 frequentou o curso de Escultura na Escola de Belas Artes de Lisboa. Foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian em 1993. A primeira exposição individual foi em 1987 em Lisboa, com esculturas em ardósia. Seguiram-se as exposições “First Island” e “Mediterranean” com esculturas de bronze fundido. A primeira exposição em pedra foi em 1991 “Enormidade, Sequência e Naufrágio” seguindo as “Transformações – Relatórios Incertos”, “Objetos de Memória” e “Histórias Incompletas”. Em 2008 começa a trabalhar em ferro com as exposições “A Pele das Coisas”, “Transformo-me naquilo que toco”, “De Dentro” e “Transmutações”.
Visita Guiada pelo Manuel Costa Cabral com a presença do artista.
Sábado | 24 Setembro | 17h
Finissage
Sábado | 15 de outubro | 17h
com visita guiada pelo artista e o curador
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