Outra Maneira de Fazer

Outra maneira de fazer apresenta uma componente inédita da produção de José Luís Tinoco (n. 1932), centrada no corpo observado/representado através de técnicas mistas e do desenho a caneta, lápis e pastel.

A sua recente criação erradia uma vontade de criar partindo de processos prévios de análise e recolha de materiais, onde o real e o seu imaginário se vão concertando nas paredes do atelier para dar origem a obras complexas, densas, mesmo que em pequeno formato. Daqui deriva uma complexa e intricada narrativa composta de temas sobre os quais o autor reflete e trabalha, como a violência, a guerra, a banalidade da vida urbana, o homem e a cidade, o belo feminino ou o fascínio pelas idades do corpo, e ainda o naturismo, a gesta criadora do Homem em superar limites físicos e ultrapassar a sua realidade, conquistando a sua condição de herói.

Na série de desenhos “Nus” que agora se apresenta, a representação do corpo feminino incorpora, enquanto desenvolvimento formal, uma certa noção de beleza, de perfeição, mas carrega também o potencial de transfiguração, de superação de uma fragilidade aparentemente simbólica do papel de mulher e de mãe, ou de imagem de desejo, de proteção e de culto.

No percurso do desenho, os esboços de Tinoco retratam corpos em cenários urbanos, desastres, ou contextos desportivos, exercícios militares, e ainda em feiras, procissões, onde as personagens surgem envolvidas em tarefas que exigem força e coragem. São figuras preenchidas e delineadas, de rostos esculpidos que expressam os dias amargos e repetitivos na cidade. A materialização artística da pesquisa formal e conceptual revela, assim, o olhar perscrutador de um observador crítico e atento, sondando as ambiguidades, questionando por que e como o mesmo corpo pode encarnar criação e destruição. Em última análise, no seu processo criativo orbita esta questão da quinta-essência humana, vacilando entre criação e aniquilação.

Deste não conformismo emergem pinturas, técnicas mistas e desenhos, derivando em composições originais partindo de matérias recicladas, retiradas da observação cuidada da vida diária, extraídas de jornais e revistas, que o autor recolhe, arquiva, associa, integra e recombina, de uma maneira peculiar, mas segura e sábia, assim como articula palavras com significados inesperados e reveladores, refletindo um espírito inquieto em busca da perfeição, procurando sempre outra maneira de fazer.

Ana David Mendes